A Complexidade do Aborto e o Projeto de Lei nº 1904/2024: Reflexões Psicanalíticas e Sociais
A Complexidade do Aborto e o Projeto de Lei nº 1904/2024: Reflexões Psicanalíticas e Sociais
Terminei de ler o Projeto de Lei nº 1904/2024, que visa equiparar o aborto acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio. Trata-se de um tema que divide opiniões no cenário nacional e que, por essa mesma razão, deveria ser amplamente discutido em todas as esferas possíveis. Infelizmente, o que observamos em nossa nação são pautas que servem para a velha guerra de votos e a busca pelo poder, a qualquer custo.
Como cidadão e alguém que se dedica ao cuidado do próximo em todas as esferas em que atuo, não posso me calar diante desse cenário. Minha primeira crítica é o uso político inadequado do tema, com fins claramente eleitorais. A maioria dos deputados que assinam o documento tem uma trajetória política marcada por aspectos pouco democráticos e representam um discurso fundamentalista que sequer reflete a maioria do próprio grupo que afirmam representar. Em segundo lugar, um tema dessa magnitude não pode ser tratado com caráter de urgência; deve ser discutido de forma transparente e ampla em todas as esferas. Em terceiro lugar, é no mínimo incoerente que um número desproporcional de homens legisle sobre o corpo das mulheres sem a ampla participação das mesmas.
A perspectiva psicanalítica nos ensina a importância de compreender as profundezas do inconsciente coletivo que permeiam nossa sociedade. A discussão sobre o aborto não é apenas uma questão legal ou moral, mas envolve complexas dinâmicas psicológicas e emocionais. Precisamos considerar o impacto que decisões precipitadas e políticas oportunistas podem ter sobre a saúde mental e emocional das mulheres. A imposição de legislações severas pode gerar um sentimento de culpa, vergonha e angústia que repercutem profundamente no psiquismo feminino.
Tenho minhas opiniões pessoais, mas, acima de tudo, preciso pensar como nação, como povo, e não posso impor minhas ideias e crenças a um conjunto de pessoas que não pensam como eu. Este é um tema de ordem ideológica, conceitual, jurídica, biológica e médica. É, portanto, um tema de saúde pública e de liberdades individuais, muito mais do que um tema criminal. Enquanto tratarmos o assunto dessa maneira, os verdadeiros crimes, cometidos por uma imensa maioria de homens, não receberão a devida atenção.
Diante dessas circunstâncias, posiciono-me contra a aprovação de um projeto que não foi fruto de uma consciência coletiva da sociedade. É lamentável que nossos representantes não nos representem verdadeiramente. É triste não termos uma política coerente com o bem comum e testemunharmos a história política marcada por tantos assaltos ao bem da nação em virtude de interesses particulares.
No entanto, ainda há forças sóbrias em nossa nação, e me junto a elas para continuar lutando pela vida, sem fazer disso um discurso hipócrita, mas considerando de fato todos os aspectos que possam nos conduzir a uma vida melhor.
Ivo Fernandes
Cidadão brasileiro, educador e psicanalista