Dia dos Professores
– Entre o Gesto, a Luta e o Mistério de Ensinar

Ser professor — afinal, o que é isso? Tantos profissionais carregam esse título, mas num dia como este, de que grupo estamos realmente falando? O que é ser professor?
A palavra “professor” vem do latim
professus: aquele que declara publicamente sua crença. E aqui começa nossa reflexão: em que temos acreditado? O que nosso ensino carrega, de fato, dessas crenças? Será que a distância entre o que cremos e o que fazemos não está na descrença que, por vezes, nos toma diante dos destinatários de nosso próprio ensino?
Desde os antigos mestres gregos e sábios orientais, passando pelos monges da Idade Média e pelos educadores que ergueram as primeiras escolas no Brasil colonial, o professor sempre foi mais do que uma função: foi um gesto civilizatório. Ensinar é participar da sobrevivência do humano — mesmo em tempos em que o próprio humano parece em crise.
Diante dos desafios contemporâneos, essa profissão se tornou também um ato de resistência e coragem. Resistir à desvalorização, à indiferença, ao cansaço e ao ruído de um tempo que mede o valor das pessoas por sua produtividade. Resistir à indisciplina, à defasagem, ao desinteresse — sintomas de um mal-estar que não é apenas dos alunos, mas de toda uma cultura que desaprendeu a escutar.
Ensinar hoje é tentar manter acesa a chama do sentido em meio ao caos. Sabemos que os professores enfrentam um conjunto quase insustentável de exigências: defasagem na aprendizagem, indisciplina crescente, falta de recursos, turmas superlotadas, tecnologia desatualizada, baixos salários, sobrecarga, estresse e adoecimento mental.
Vivemos uma era em que a escola tenta ser tudo — e, ao mesmo tempo, é cobrada por tudo. O professor tornou-se, simultaneamente, educador, psicólogo, gestor de conflitos, analista de dados e animador social.
E, no entanto, continua sendo julgado pela nota que o aluno tira, pela frequência, pelo “resultado”. Mas o que poucos percebem é que cada aula dada em condições tão adversas é um pequeno milagre — um lampejo de resistência simbólica contra a indiferença do mundo.
A saúde mental dos professores se deteriora. O
burnout e a ansiedade se multiplicam. O amor pela educação, embora essencial, não pode ser usado como argumento para o sacrifício permanente.
Amar ensinar não significa aceitar ser explorado. A docência não é um sacerdócio que exige pobreza; é uma profissão que exige dignidade.
Durante muito tempo, ensinar foi romantizado como “vocação”, como se bastasse o amor para suportar a sobrecarga e a falta de reconhecimento. Mas amor sem condições mínimas adoece. Ensinar “por amor” não pode ser desculpa para pagar mal, ignorar o sofrimento e desresponsabilizar o Estado. Como lembra a psicanálise, o amor só é verdadeiro quando reconhece o outro — e o professor também precisa ser reconhecido.
Amar a docência é lutar por sua valorização. Porque amor que cala diante da injustiça não é amor, é resignação. O professor precisa de salário digno, tempo de descanso, apoio psicológico e estrutura para exercer seu ofício. Precisamos superar o mito do “professor-herói” e criar políticas que sustentem o humano do educador.
O professor é trabalhador, não missionário — ainda que seu dever toque o humano em profundidade. É preciso conciliar o dom e o direito, a entrega e o reconhecimento, o chamado e o contrato. Ser professor é viver nessa fronteira: entre a vocação e o ofício, entre o ideal e a realidade, entre o prazer de ver um aluno aprender e a exaustão de saber o quanto isso exige.
Precisamos ressignificar o lugar do professor na cultura. Que o 15 de outubro não seja apenas um dia de homenagens, mas um convite à reconstrução do pacto social com a educação. Não há país justo, livre ou desenvolvido sem professores respeitados. Sem eles, o futuro é só uma tela em branco — e o presente, uma escola em ruínas.
Eu, enquanto professor, reafirmo minhas crenças na humanidade, mesmo quando ela parece não mais valer a pena. Quero manter meus olhos sobre meus alunos, que de tantos modos me pedem ajuda. Quero manter a esperança, mesmo que pareça loucura, de que meu ato pode sim mudar a vida de alguém — e fazer parte da mudança do mundo. Quero continuar nessa missão impossível, como dizia Freud, que é educar. Quero me levantar todos os dias e sustentar esse gesto teimoso que diz — com a mesma voz antiga dos que vieram antes — “Eu ainda acredito.”