Homem com H

Ivo Fernandes • 2 de maio de 2025

sobre a liberdade de ser

Acabo de sair do cinema onde assisti ao filme Homem com H, que retrata a trajetória de Ney Matogrosso. Não vi apenas a biografia de um cantor, mas o retrato vivo de um homem que escolheu ser — e só isso já seria muito. Desde a primeira cena até a última, o que se apresentou ali não foi uma narrativa de carreira, mas uma ode à liberdade. Um homem que não se curvou ao comando de ninguém: nem à autoridade do pai, nem aos jogos de posse nos relacionamentos, nem às molduras que o mercado tentou lhe impor. Ney nunca se deixou reduzir a uma identidade, a um estereótipo ou a uma militância. Foi — e segue sendo — um homem em busca de si, fiel ao próprio desejo, mesmo quando este lhe atravessava como enigma.

"Ser o que tiver que ser", como se dissesse com o corpo, com o canto e com o silêncio. Viado, mulher, bicho, sombra, homem com H, mesa e cadeira do cabaré. Ney foi todos — e nenhum. E talvez seja exatamente essa recusa em ser definido que o torne tão potente. Há quem carregue bandeiras com orgulho, e isso tem seu valor. Mas há os que, ao serem inteiros em si, inspiram mais profundamente do que qualquer palavra de ordem.


O filme mostra também suas dores — as rejeições, os amores que não se completam, a solidão que não some, as feridas abertas pela infância e o confronto com o pai. É possível que muito da sua ousadia tenha nascido como resposta inconsciente a esse pai rígido, como grito diante do autoritarismo. Mas não importa se sua liberdade foi forjada no trauma ou na arte: importa que ela foi conquistada, vivida e performada. E isso não é pouco.


Na tela, vi alguém que ousou amar em liberdade: sem posse, sem ciúmes, sem gênero definido. Um amor que se permite ir e vir. Um desejo que não precisa ser explicado nem validado. Ney não é ídolo porque é diferente. É ídolo porque teve a coragem de não se moldar à semelhança de ninguém.


Saio do filme me sentindo representado. Estimulado. Convidado a continuar a travessia de ser — mesmo quando isso nos tira o chão, mesmo quando os outros esperam de nós qualquer coisa que não somos. A liberdade tem um preço, mas o cativeiro da imagem, da moral e do desejo do outro é mais caro ainda.


Nem Ney foi — ou é — totalmente livre. Ninguém é. Mas ele tocou algo essencial: a fidelidade ao desejo de ser. E por isso, agradeço. Obrigado, Ney, pela ousadia de existir, pela ternura selvagem, por nos lembrar que ser ainda é possível, mesmo em um mundo que insiste em nos dizer o contrário.

Ivo Fernandes

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